Apesar de a Globo repetir em seu noticiário regular que
"as empresas de mídia" não são suspeitas no escândalo internacional
de corrupção do futebol mundial, contratos envolvendo a emissora e a CBF fazem
parte do "pacote" de documentos que está sendo investigados por
agentes da Polícia Federal.
A reportagem do UOL apurou que contratos assinados entre a
TV e a entidade em anos passados serão submetidos ao escrutínio de
especialistas da PF. Trata-se, inclusive, de parte da colaboração que o país
vem fazendo com as investigações do FBI, que jogaram parte da cúpula do futebol
mundial na cadeia.
Cabe lembrar que até o momento não recai sobre a Globo
nenhuma suspeita, mas como sua relação com a CBF, especialmente a gestão
Ricardo Teixeira, foi e ainda é atávica, ela entra no foco da investigação
também.
A PF jamais comenta apurações em andamento.
Procurada pela coluna, a Globo afirmou desconhecer qualquer
investigação e não quis comentar. Já a CBF afirmou que "a relação de
quatro décadas do futebol brasileiro com a TV Globo é um 'case' de
sucesso". A entidade afirma ainda que está disponível para prestar
quaisquer esclarecimentos às autoridades.
A investigação
A PF quer entender como funcionou a relação entre a gestão
do ex-presidente da CBF Ricardo Teixeira e o Departamento de Esportes da Globo.
Na TV aberta, a Globo detém monopólio de transmissão dos
principais torneios de futebol há quase 40 anos.
Em 2011, porém, a TV Record fez uma ofensiva para comprar os
direitos de transmissão do Campeonato Brasileiro, cujo contrato anterior estava
prestes a expirar.
Foi a primeira vez que a Globo viu o rentável setor
esportivo ameaçado por outra emissora. Na ocasião, Teixeira já era, havia anos,
um suspeito de corrupção.
A pedido da Record, o Cade (Conselho Administrativo de
Defesa Econômica) passou a investigar os contratos do futebol e concluiu que
havia uma ilegalidade: o órgão determinou ao hoje finado Clube dos 13 --que
sucedeu a CBF na negociação de direitos de transmissão-- que fizesse uma
licitação para definir quem teria direito à transmissão de jogos do futebol
brasileiro.
O Cade concluiu que o modelo usado até então só beneficiava
a Globo. Diante da inédita decisão, e suspeitando que a Record poderia fazer
uma oferta financeira superior à da Globo, a CBF de Teixeira e alguns times,
como Corinthians e Flamengo, agiram nos bastidores e implodiram o Clube dos 13.
Agora sabe-se que quem apertou o detonador foi Andres
Sanchez, como revelou a coluna de Monica Bergamo, da Folha, no último domingo.
Mas ele não agiu só. CBF, Globo e outros clubes se uniram
para dar rasteira nas pretensões da emissora de Edir Macedo. Com os times mais
populares fechando acordo diretamente com a Globo, o caso deixou a alçada do
Cade. Em outras palavras, com a negociação ponto a ponto, eles driblaram a
licitação.
Com isso, o futebol brasileiro continuou mais uma vez nas
mãos exclusivas da Globo.
Rombo
A Globo não ficou ilesa, porém. Sofreu grande perda de
dinheiro. A negociação time a time encareceu sobremaneira o preço do futebol. A
tal ponto que, estima-se, a Globo teve de gastar quase R$ 1 bilhão a mais do
que gastaria antes do "imbroglio" iniciado pela Record.
Teixeira acabou com a imagem ainda mais prejudicada. Na
verdade essa foi uma das últimas pás de cal em seu reinado.
"Traição"
O apoio de quatro décadas da CBF à Globo, porém, não impediu
a emissora de noticiar os escândalos envolvendo Teixeira e a Fifa, deflagrados
ainda em 2011, poucos meses após a complicada manobra que manteve o monopólio
do futebol com a TV da família Marinho.
Teixeira ficou revoltado com o noticiário, que considerou
uma "traição". Um ano antes havia se gabado à revista "Piauí"
de ser praticamente inatacável pela Globo, e que só temeria qualquer
denúncia "no dia em que ela saísse
no 'JN'".
Pois saiu, e o cartola ficou possesso. Teria ameaçado,
inclusive, divulgar provas (supostas gravações) de como a Globo manipulava horários,
datas de jogos de times e até da seleção brasileira --de forma a nunca
prejudicar sua grade de programação..
Outro lado - CBF
Procurada pelo UOL, a CBF respondeu, por meio de sua
Diretoria de Comunicação:
"A relação de quatro décadas do futebol brasileiro com
a TV Globo, que envolve não apenas a seleção brasileira, mas também os grandes
clubes do país, é um dos maiores cases de sucesso de parceria da história do
futebol mundial.
Clique aqui para ver a íntegra do Comunicado da CBF sobre
esta reportagem.
RICARDO FELTRIN
Ricardo Feltrin, 51, é colunista do UOL, onde apresenta o
programa Ooops! às segundas. Trabalhou por 21 anos no Grupo Folha, como
repórter, editor e secretário de Redação, entre outros.
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